Treino de Guarda-Redes: feminino e masculino, que diferenças?

Num momento em que o futebol feminino acumula gradualmente uma maior visibilidade e notoriedade no panorama desportivo português, importa rever e actualizar aquelas que são as exigências crescentes ao nível do processo de treino e desenvolvimento multilateral das jogadoras. Mais do que a construção de um processo colectivo coeso e sólido, o desenvolvimento individual da jogadora continua a apresentar-se como decisivo, através da transmissão de ferramentas que a façam evoluir técnica, táctica, física e psicologicamente.

A especificidade da posição de Guarda-Redes é sobejamente conhecida e admirada por todos nós que vivemos esta paixão diariamente, mas importa dar respostas a uma pergunta que me fazem com alguma regularidade, enquanto Treinador de Guarda-Redes: quais as diferenças entre o Treino de Guarda-Redes masculino e feminino?

  • Anatomia / Morfologia

Quem trabalha no feminino tem que ter em conta que o factor anatómico é uma evidência e deve ser tido em conta. A bacia mais larga, os ossos do crânio mais pequenos, pescoço mais curto e estreito. Que importância tem isso, pergunta o leitor? Sobretudo no capítulo da prevenção de lesões, existem maiores propensões a lesão em certas partes do corpo que no futebol masculino, como as concussões e as lesões no ligamento cruzado anterior do joelho.

O factor altura é também uma evidência. A altura média das Guarda-Redes com quem trabalhei até hoje é de aproximadamente 1,70m. Sim, a baliza continua a ter a mesma altura: 2,44m. Considerando que a mulher não desenvolve os mesmos índices de potência muscular, por ter menos massa muscular e fibras musculares mais pequenas, existem compensações a fazer. Onde? No entendimento do jogo, num posicionamento equilibrado em todos os seus momentos, na coordenação geral, lateralidade e no controlo dos deslocamentos e na distribuição do peso corporal no momento de fixar apoios.

  • Puberdade

Só o facto de se considerar este capítulo é um bom sinal, pois estaremos a escrever sobre  Guarda-Redes a iniciar a sua prática específica bem mais cedo que na generalidade do panorama nacional. Contudo, se no futebol masculino um Guarda-Redes com 14 anos pode ainda não ter atingido o seu pico de crescimento, no feminino não é bem assim. A puberdade ocorre entre os 8 e os 14 anos, e o pico de crescimento ocorre pelos 11 anos de idade. Tal afectará as fases sensíveis de desenvolvimento de capacidades como a coordenação geral, flexibilidade e as capacidades condicionais.

  • Psicologia

O factor psicológico e emocional é determinante no futebol em geral, e no feminino assume uma maior influência. A futebolista é no geral apaixonada pelo jogo, sedenta de aprender, perfeccionista, determinada em perceber o porquê das coisas, mas frágil na forma como lida com o erro e o insucesso. Se há posição em que a reacção ao insucesso deve ser forte, é na de Guarda-Redes. Uma gestão cuidadosa no sentido de constantemente focar e refocar no processo de aprendizagem é fundamental. Acreditar no processo, com persistência e resiliência. Para evoluir, para ser melhor, para chegar mais longe. Ninguém mais que uma mulher acredita nisso. A Guarda-Redes que vai fazer a diferença é a que melhor vai reagir quando o insucesso bater à porta.

  • Metodologia de treino de Guarda-Redes

O jogo é o mesmo, e não deve ser ensinado de uma forma diferente. Não existem receitas milagrosas. Tal como no masculino, existe todo um processo envolvido. Identificar, contextualizar, priorizar, planear, treinar, analisar e replanear. Eu como treinador de Guarda-Redes tenho a minha ideia bem definida e trabalho-a com as Guarda-Redes, de uma forma planeada e regrada. Não há ideias certas ou erradas. Existem as ideias que serão as mais ou menos adequadas para o grupo de Guarda-Redes em questão, com as suas necessidades individuais e específicas.

A realidade do futebol feminino é amadora, mas o treinador deve profissionalizar ao máximo o seu método e acompanhamento. Trabalhar os momentos e contextos específicos: atraso, GR em posse de bola, remate, saída, cruzamento. Descortinar todas as acções técnicas específicas, identificar focos de lateralidade, analisar decisões e definir critérios de sucesso, definir posicionamentos de referência, com bola coberta ou descoberta. A lista é infindável. No fundo, levar o jogo na sua complexidade para dentro do treino e do jogo, na proporção da paixão com que o vivemos.

(este artigo não foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)

João Garcia

Coordenador do Departamento Treino de Guarda-Redes Feminino no GD Estoril Praia

Instagram @joaogarcia_gkcoach