Um Departamento, na sua definição, é uma divisão, um sector ou um pelouro de uma determinada actividade específica. E mais do que escalonar determinadas missões e operações específicas em categorias, há que ter bem cientes quais os princípios necessários para garantir o sucesso do mesmo a médio/longo prazo. O treino de Guarda-Redes não é excepção. Neste artigo pretendo listar aqueles que considero como princípios fundamentais, e que coloquei em prática nesta época desportiva no recém-criado Departamento de Treino de Guarda-Redes Feminino do Grupo Desportivo Estoril Praia.

 

IDENTIFICAÇÃO DA REALIDADE:

Nenhum projecto inicia sem termos a noção do chamado “estado da arte”: que clube representamos, que campos, horários e material temos para treinar. Mas além disso, precisamos de saber quantos GR’s temos, qual a sua capacidade técnica, o seu potencial de crescimento, qual o seu trajecto no desporto e quantos Treinadores de GR existem para colocar um projecto em andamento. Responder a estas questões dá-nos um ponto de partida: um determinado número de problemas por resolver, de maior ou menor dificuldade.

Cheguei ao Estoril Praia Feminino com duas GR seniores, uma GR sub-17 e uma GR sub-15, sendo eu o único treinador específico. Este foi o meu ponto de partida como coordenador.

 

VISÃO:

A visão projecta uma ideia do papel para a prática. Mas não cai do céu. A visão de um projecto obriga à definição de objectivos a curto, médio e longo prazo. Fideliza os intervenientes na sua procura, como um novo degrau acabado de subir, prontos e mais fortes para subir mais um e mais outro. A visão define-nos como mentores, mas só a sua operacionalização, no sucesso ou no insucesso, nos define como profissionais. Definem-se as questões: que tipo de GR queremos? Qual o seu perfil morfológico, cognitivo e emocional? Como sectorizar GR’s de ‘rendimento’ com GR’s de ‘potencial’? Quantos GR’s queremos em cada escalão? Colocam-se novas perguntas, normalmente de fácil resposta, mas de algum grau de dificuldade na sua operacionalização.

No Estoril Praia Feminino, a visão prioritária foi a de aumentar o número de praticantes e de ter mais um treinador de GR presente no Departamento. Este aumento já obedeceu a alguns critérios, como as características morfológicas da GR, projectando o seu desenvolvimento para um patamar de futebol 11 e de Liga Allianz. Recrutámos duas atletas de campo para a baliza, introduzindo-as no treino específico, de forma gradual e lúdica na etapa de iniciação. Neste momento, temos três GR seniores, uma GR sub-18 a treinar nas seniores, uma GR sub-17, duas GR’s sub-16 e duas GR’s sub-15. Cumprindo quase na totalidade um dos grandes objectivos, o seguinte foi de âmbito cultural. Sim, passo a explicar no capítulo seguinte.

 

COMPROMISSO:

Nada nem ninguém, em algum ideal ou projecto, irá melhorar sem compromisso. Mais do que treinar, tem que haver um compromisso com o treino. A definição de regras, horários e comportamentos. A separação entre os momentos lúdicos com os de trabalho. A criação de uma cultura de trabalho, gerando compromisso intra-grupo, contagiante a quem integrar o processo a meio. Uma cultura baseada na evolução, no aproveitamento de cada minuto de treino, de procurar aprender a cada momento. Fundamental no futebol feminino, o facto de cada GR perceber o porquê de estar a executar cada exercício, aumenta os índices de compromisso e de entrega ao processo multilateral de treino. Este grupo de comportamentos torna-se uma forma de estar no treino, no desporto e na vida, valorizando o trabalho para atingir objectivos, lidando com o sucesso e o insucesso, reagindo a ambos da forma mais construtiva possível.

 

IDENTIDADE:

A nossa identidade do mundo exterior é marcada pelo nosso cartão de cidadão. A identidade de um Departamento é marcada pela forma como cada elemento do mesmo se apresenta em cada momento de treino ou de competição. Essa identidade é definida pela vertente comportamental e pedagógica da intervenção, mas também pela metodologia comum que permite observar uma pirâmide da mesma forma, mesmo através de olhos diferentes. Que cada GR consiga olhar para o jogo da mesma forma, entendendo-o sob o mesmo prisma, actuando sob critérios decisionais e tácticos semelhantes. Que haja um modelo de aquecimento de jogo comum, com uma evolução progressiva ao longo dos diversos escalões de formação. Que haja um modelo técnico sob o qual todas as GR’s e treinadores de GR trabalham entre si, respeitando a sua singularidade enquanto atletas. Todo este conjunto de tópicos definem o carimbo de um Departamento.

 

ACOMPANHAMENTO:

Garantir a presença de um treinador específico em qualquer momento de treino e competição é fundamental, de modo a aumentar o tempo de prática específica e de aprendizagem através de estímulos diferentes. É importante haver acompanhamento nos momentos integrados, mas também saber definir quais os momentos para realizar trabalho complementar. Mas será o acompanhamento in loco suficiente? Mais do que acompanhar todos os momentos, deve haver um registo. Optámos por criar uma ficha individual de cada atleta, tendo todos os dados relativos a treinos, jogos nas diferentes competições, minutos jogados, golos sofridos. Outro dos conteúdos importantes de registo é o das dificuldades individuais, a abordar em exercícios complementares: problemas técnicos, coordenativos, físicos, de lateralidade, etc.

O cruzamento horizontal da informação individual de cada GR ao calendário dos próximos jogos, permite antecipar e facilitar a gestão da utilização de cada atleta. Deve haver um registo das unidades de treino, de modo a controlar, analisar e replanear quais os conteúdos a abordar e a consolidar.

Além disso, e no nosso caso específico, foi possível realizar a análise em vídeo dos jogos das nossas GR’s na Liga Allianz, através da parceria da FPF com a plataforma InStat. Esta parceria acabou por ser bastante benéfica, fornecendo imagens e dados estatísticos que permitiram fazer evoluir e adaptar o processo de treino ao longo dos diferentes microciclos.

 

AVALIAÇÃO/PROJECÇÃO:

Um Departamento funciona no presente mas sobretudo projecta o futuro. Novas medidas devem estar no horizonte de quem o coordena e gere. Estas só podem surgir através da reflexão e da avaliação do funcionamento do mesmo. Só assim se consegue viajar no tempo, tornando um projecto maior do que ele é, criando novas fundações e alicerces sólidos. Sem saltar degraus nem etapas. Não dando passos maiores que a perna. Ter uma projecção a um, dois e cinco anos é um bom exercício a realizar com todos os agentes responsáveis pelo projecto. Onde estamos, onde estamos a chegar e onde queremos chegar.

O maior inimigo tem um único nome: comodismo. O insucesso é uma ferramenta de adaptação, não para esquecer mas para relembrar. O sucesso de hoje é uma mera efeméride, a relembrar um dia através de fotografias. O sucesso futuro só pode passar pelo trabalho: pela vitória e pela derrota, pela análise e pela reflexão, pela visão e pela ambição. E quanto mais bem alinhadas estiverem as pessoas envolvidas neste raciocínio, mais perto estarão de deixar uma marca. Nos treinadores. Nas atletas. No clube. No desporto.

 

(este artigo não foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)

João Garcia (Siga-me no Instagram)

Coordenador do Departamento Treino de Guarda-Redes Feminino no GD Estoril Praia