Um treinador de futebol é actualmente um agente especial. Com ferramentas adequadas como materiais direccionados para o treino, blocos de notas, computadores capazes de desenhar os melhores gráficos, exercícios com diversas metodologias espalhadas pelo globo. Mas desenganem-se: o melhor agente especial é o que melhor adequa os seus objectivos aos atletas que tem à sua responsabilidade. E mais do que um exercício que potencie determinados comportamentos, o que vai realmente fazer a diferença é o feedback do treinador. Neste artigo, vou explicar aquilo que entendo que deve ser a estrutura de um bom feedback.
ESTRUTURA: TIPOS E MODOS
Feedback: tal como o nome indica pela sua tradução directa, um feedback é uma resposta, uma informação de retorno. Num processo de aprendizagem, é algo que nos permite discernir o correcto do errado, mas também o bom do perfeito, o mau do menos mau. No fundo, a principal função do feedback é a de permitir ao executante avaliar a sua acção, criando uma estrutura de referência de forma a que o atleta possa detectar erros e procure corrigi-los.
No fundo, essa informação de retorno é uma condição obrigatória para que haja aquisição de conhecimento. Sem essa informação, deixamos o nosso atleta às cegas, não criando condições para uma auto-avaliação e desfasando as suas acções, seja através da experimentação de novas acções, seja através da repetição de acções erradas, por ausência de correcção.
Mas afinal, como dar um feedback? Que formas diferentes há de intervir? Diversos tipos! Temos os avaliativos, descritivos e prescritivos, além do reforço positivo. Avaliativo no sentido de qualificar a última acção sem a descrever (ex: “boa acção técnica!”). Descritivo no sentido de apenas reportar o que o GR acabou de executar (ex: “passe com a parte interna do pé!”). Prescritivo como uma receita do que o GR deve procurar fazer a seguir (ex: “coloca apoios à largura dos ombros na próxima!”). O reforço positivo, tal como disse Sir Alex Ferguson, é o simples “bom” ou “excelente” que, para ele, é a melhor coisa do futebol: como algo tão simples pode motivar um atleta a ser ainda melhor.
Além dos tipos, temos os modos! Estes devem ser mais adequados à personalidade do atleta, porque envolvem o tom de voz, a proximidade, a nossa expressão corporal e até o toque, mais conhecido como quinestésico. Mas não pretendo entrar neste caminho. Dentro de todos os tipos e todos os modos, há que reconhecer a singularidade do atleta, de modo a que possamos determinar a maior especificidade possível num exercício, para que possamos dar um feedback orientado, curto e conciso de modo a garantirmos um momento aquisitivo ao nosso GR.
Vamos então experimentar estabelecer a ligação entre feedback e especificidade. Porque, a meu ver, uma não funciona sem a outra. O feedback não produz efeito se não houver especificidade do exercício planeado para os meus GR’s. E não serve de nada criar um exercício específico para as necessidades dos meus GR’s se não sei intervir sobre elas mesmas. Esta simbiose de conceitos determina a maior capacidade de um treinador em desenvolver as capacidades de um GR. Planear, determinar conteúdos e objectivos principais, mas tendo a capacidade de balizar a sua intervenção para esse mesmo objectivo. Abranger demasiados temas na intervenção a um determinado exercício cria uma acumulação de informação, gerando confusão no atleta e não permitindo a consolidação de nenhum dos conteúdos abordados.
FEEDBACK EM TREINO
Existem diferenças claras entre o treino e a competição, por razões temporais, espaciais e emocionais. Desde logo, num processo de treino existe maior proximidade, autonomia, além da maior previsibilidade criada pelo treinador através do seu planeamento. O treinador planeia, operacionaliza e controla a exigência, através de diferentes tipologias de exercício específico de treino de GR.
Na minha opinião pessoal, estes exercícios podem ser analíticos (mais fechados, menos decisionais), mistos (mais abertos, mais decisionais) dentro do trabalho específico de GR, ou integrados (quando o GR integra com a equipa numa forma mais jogada). Será que o feedback deve ser igual nas diferentes tipologias? Definitivamente não! Se um exercício tem como objectivo principal o desenvolvimento/consolidação de uma técnica, o feedback deve ser única e exclusivamente direccionado para essa técnica. Se o exercício é direccionado para tomar diferentes decisões num determinado contexto, o feedback não deve ser tão direccionado para a acção técnica, ou pelo menos, que esta assuma o protagonismo dentro do exercício. Como assim: assumir o protagonismo? Através dos modos explicados anteriormente. Nós damos maior protagonismo a um feedback através de um tom de voz mais alto, uma expressão corporal mais marcada. E os atletas sentem isso. No fundo, as mesmas palavras podem ser transformadas em protagonistas ou em meras figurantes.
FEEDBACK EM COMPETIÇÃO
O momento competitivo proporciona condições totalmente distintas do momento de treino. Existe muito maior aleatoriedade, os aspectos emocionais apresentam maior influência no desempenho, existe uma pressão competitiva aliada também a factores estratégicos, mas sobretudo há uma maior distância entre o treinador de GR e o seu GR em jogo.
Desde logo, a intervenção deve ser ainda mais concisa e directa de modo a diminuir o ruído na comunicação, tal como o jogo do ‘telefone estragado’. Estratégias possíveis de adoptar são as de definir um tipo de código, com gestos que correspondam a determinado tipo de acções, seja para bola curta/longa, seja para colocar a bola numa zona específica do campo.
Da parte do treinador deve haver um cuidado redobrado com os feedbacks negativos, ou pelo menos ter em conta a sua influência no desempenho do GR, através da sua personalidade e capacidade de reacção ao erro/insucesso. Há que ter em conta que é um momento competitivo, cujas decisões podem ter maior ou menor influência no resultado final, e que a gestão da comunicação deve ser cautelosa no sentido de garantir estabilidade, conforto e confiança ao nosso GR naquele jogo.
REFLEXÃO
O verdadeiro agente especial presente em cada um de nós, treinadores, assume maior preponderância no processo quanto mais adequada for a nossa intervenção, na ligação com a definição de objectivos e o seu planeamento.
Como ideia final, e para vossa própria reflexão, deixo-vos esta ideia: exercício de treino proporciona repetição -> repetição permite desenvolver e consolidar acções -> acções com feedback incorrecto ou inexistente desenvolvem e consolidam comportamentos errados -> acções com feedback correcto e orientado desenvolvem e consolidam comportamentos correctos. A pergunta que vos deixo é a seguinte: o que é afinal mais importante: definir um ‘bom’ exercício ou ter a capacidade de o analisar e intervir sobre o mesmo?
(este artigo não foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)
João Garcia (Instagram -> joaogarcia_gkcoach)
Coordenador do Departamento Treino de Guarda-Redes Feminino no GD Estoril Praia
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