5# Podcast “A Última Barreira” – Etapas de Formação: Tudo (ou quase tudo) o que foi falado!

Tema: Etapas de Formação de GR (Que podem ouvir nesta hiperligação)

Numa altura em que todos estamos com saudades da vida e, também, do futebol… eis que volta a surgir o Podcast A Última Barreira numa série com um formato ligeiramente diferente:

Um TGR e GR profissionais e um TGR e GR (ou outro) amadores em conversa sobre determinado tema. Todos têm voz e merecem palco e, cá estamos, em promovê-lo. Sem cores, clubes, hierarquias!

(RP) Ricardo Pereira (Coordenador e TGR Independiente del Valle – Equador), (EC) Eduardo Cachulo (Coordenador e TGR U19 na Académica OAF), (IR) Igor Rodrigues (GR profissional no GD Chaves) e (RRG) Ricardo Rebelo (Professor adjunto em IP Leiria) em conversa, com moderação de (GX) Gonçalo Xavier (Fundador e Gestor d’A Última Barreira e TGR Sporting CP Feminino U19/B).

Serão então colocadas citações dos intervenientes no programa:

RRG: Hoje em dia, com vários contributos e com várias pessoas proativas, estamos a construir uma autêntica escola de treinadores de guarda-redes portugueses e em breve isso vai dar frutos nas nossas balizas.

RP: Com formação oficial ou não, as pessoas formaram-se, escreveram livros, escreveram teses, o conhecimento está aí disponível para todos e neste momento temos um corpo técnico de treinadores de guarda-redes cada vez mais forte.

EC: O Modelo de formação de GR engloba-se dentro da estrutura técnica de um clube.

O GR não surge de forma isolada a todo o jogo. Da mesma forma, só faz sentido pensar num modelo de formação de GR se o clube contemplar uma filosofia e um projeto formativo bem definido. O GR é o ponto central deste processo formativo, sendo que tal se deve materializar em projetos individuais de formação para cada um dos GRs, olhando o treino e todo o processo envolvente de forma muito individualizada.

RP: Temos que saber para que é que estamos a formar guarda-redes. É muito bom ganhar campeonatos, mas é preciso é formar jogadores. Nós treinadores não temos de sentir a pressão de ganhar, mas o jogador tem de sentir a pressão de ter de ganhar, de jogar para ganhar, porque no futebol sénior ele vai ter de conviver com essa pressão. E isso, nós, treinadores de guarda-redes, temos de ter esta firmeza, como os nossos treinadores principais “ele errou a jogar na primeira fase de construção, mas é para continuar a fazer, porque nós queremos jogar desta forma!”.

Mas, ao mesmo tempo, temos de os preparar para diferentes contextos, porque nem todos os que estão nas equipas de formação de um clube irão jogar pela equipa principal desse clube.

O modelo de formação do GR deve ter como base 4 pilares: a Paciência, a Coerência, a Confiança e a Sensibilidade.

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  • A paciência necessária para levar a cabo um processo que é inevitavelmente um processo a longo prazo e que não é linear, onde os resultados não são imediatos.

  • A coerência no que se diz com o que efetivamente se faz.

  • A confiança que os intervenientes têm no processo, nomeadamente a confiança dos treinadores nos jogadores, independentemente das fases negativas e positivas, a confiança dos próprios jogadores nas suas capacidades e no processo no qual estão inseridos, a confiança dos pais no trabalho do clube.

  • A sensibilidade para se conceber uma visão individualizada sobre o GR e perceber que as suas características únicas fazem com que tenha necessidades específicas e que, por essa razão, podem ser necessárias adaptações no processo para promover as condições de desenvolvimento de cada GR.

Não é a mesma coisa ter uma criança com 8, com 10, com 12, ou 16 anos. O processo de identificação e desenvolvimento do talento deve ser baseado nas fases de desenvolvimento da criança.

No processo de identificação de GR talentosos, procuramos o inato ou o adquirido?

RRG: “Desde logo, o sucesso ou insucesso de uma carreira desportiva depende da conjugação de inúmeros fatores”. Ricardo Rebelo Gonçalves considera, por isso, que o valor humano, pessoal e social do jogador enquanto pessoa é uma base decisiva, exemplificando com um episódio que viveu com o GR Igor Rodrigues.

Igor Rodrigues, em 2019/20, emprestado ao GD Chaves (2a Liga Portuguesa)

“Na Académica, então sub19, era eu treinador responsável pelos guarda-redes e levámos o Igor a Coimbra. Na altura não lhe foi disponibilizada uma cama e ele ficou em minha casa. E eu sempre tive hábitos, no que diz respeito a horários, horríveis. Acordo e deito-me tarde e, numa manhã ao pequeno-almoço, os meus pais nessa altura ainda estavam lá por casa, o Igor acordou e sentou-se à mesa para comer.

Mas não comia. E a minha mãe questionou-lhe da razão de ele não comer, ao que ele responde:

– Não, obrigado. Vou esperar pelo mister.”

Isto para salientar os valores humanos do então jovem que, quando se fala em identificação de talento… muitas vezes são esquecidas em detrimento da morfologia e capacidades tácticas/técnicas. Há indicadores do ser humano que podem induzir óptimas qualidades para a parte desportiva e que merecem a sua atenção e relevo.

Os fatores inatos concorrem também para o sucesso, como a morfologia, que, não sendo decisiva, participa perentoriamente nas questões relacionadas com a identificação do talento.

RP: Há características que eles têm que ter e que eu não lhas consigo dar como a agressividade competitiva.

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Foto em Conferência de Treino em Vila Nova de Poiares, com Ricardo Pereira e André Ferreira e Gonçalo Xavier (em reportagem)

Quando fui ver o André Ferreira à Nogueira da Maia vi um guarda-redes com um perfil psico-emocional que pretendíamos, concentrado desde o primeiro momento. A entrar para o aquecimento muito focado e depois vi um GR a jogar em cima da linha do meio campo, a jogar por excesso no controlo da profundidade, a empurrar os colegas para saírem e subirem. E depois um GR que defendia! E nós queremos aquele talento que vamos ver a qualquer lado e ele defende! Não defende com a técnica perfeita, essa, ele vai adquiri-la com muito trabalho, porque essa eu acredito que se faz, nós podemos, até certo ponto, fazer guarda-redes.

Havia muita coisa inata que o André trazia, trazia maturidade, personalidade, calma e humildade tremenda. Melhorou-se a técnica e ajudou-se a perceber melhor o jogo.

A história de carreira e das escolhas de Igor Rodrigues ainda na sua formação

IR: Confesso que não foi fácil sair do Leixões para o Tocha. Mas fui muito bem recebido e estou-lhes grato. Queria ser profissional e abandonei a escola – e ainda por cima a minha mãe é professora, imaginem a reacção – e tive uma lesão grave. Tive de dar passos atrás mas fui com toda a convicção que iria voltar lá acima.

RP: Quando muitos jogadores chegam a um clube grande pensam que é o fim da viagem, no entanto o difícil nos clubes grandes não é chegar, é permanecer lá e progredir. Há os que se aguentam e o perfil do Igor é de uma resiliência estupenda, que é “eu dou um passo atrás, mas vou lá chegar na mesma, porque tenho talento e tenho uma vontade e uma disciplina para lá chegar”. Isto são características dos campeões! O Ederson foi dispensado, mas agarrou-se à vida e passado uns anos voltou ao Benfica, e o resto já todos sabemos, é história! Isto são capacidades que uns têm e outros não!

RRG: Há grandes jogadores que perante algumas dificuldades não conseguem reagir, e o Igor pegou nas dificuldades que encontrou ao sair de uma equipa da primeira divisão de juniores para uma equipa recém-promovida à segunda divisão e aproveitou-as em seu favor.

EC: Se calhar foram as dificuldades que o Igor passou que lhe permitem hoje estar onde está, porque o que tem marcado o seu percurso por onde tem passado é chegar, trabalhar e conquistar o seu espaço. Às vezes os jogadores que estão num clube grande nos iniciados, nos juvenis ou nos juniores acham que têm tudo garantido, e se calhar nós temos que fazer com que os atletas vão passando por elas (as dificuldades), de forma equilibrada, porque ou os guarda-redes têm essa atitude para conquistar o espaço ou então vão cair desamparados.

Processo de treino

RP: Começa tudo pelo prazer e pelo entender do que é o jogo e os vários momentos do jogo, para depois, aos 13-15 anos, começarmos a entrar numa maior especificidade, onde eu acho que nós temos de olhar para tudo o que são as questões maturacionais, as questões da paciência que precisamos de ter num corpo que se está a transformar.

EC: Em primeiro lugar temos que perceber as etapas de desenvolvimento da criança. Depois, a única forma que temos de assegurar que eles têm o tipo de trabalho que necessitam é organizar o processo de formação em etapas, e estas etapas não estão diretamente relacionadas com a idade cronológica, uma vez que dependem do estado maturacional de cada atleta. Desta forma, mais uma vez, o treinador de GR da Académica U19 alerta para a importância de olhar para o GR como o ponto central do processo.

  1. A primeira etapa, a recreação exploratória fundamental, tem que se basear no prazer por jogar, a criança tem que ser obcecada em querer jogar. O treino deve considerar perentoriamente a prática deliberada e a descoberta guiada.
  2. A segunda etapa é a experimentação refletida, onde lhes começamos a transmitir os princípios de jogo que queremos em cada momento porque eles já têm uma bagagem que lhes permite compreender estes princípios. Depois, no momento certo, já podemos ir introduzindo um treino mais analítico, de forma individualizada, mas o principal são os princípios de jogo a transmitir.

RP: Se queremos GRs que defendam o espaço, não os podemos reprimir quando falham uma bola no controlo da profundidade ou num cruzamento, nem tão pouco pedir que optem por ficar na baliza. Temos sim que assumir este tipo de erros e encorajá-los e incentivá-los a sair nestes contextos.

Neste sentido, EC explicou que para além dos objetivos e das formas metodológicas, o tipo de intervenção do treinador também deve ser ajustada a cada uma das etapas.

EC: No investimento deliberado, etapa onde por norma ocorre o pico de velocidade de crescimento que se traduz em alterações morfológicas e funcionais significativas, o maior foco centra-se nas ações técnico-táticas e na coordenação motora, precisamente por ser um período em que do ponto de vista motor precisamos de ajudar o GR a adaptar-se às alterações ocorrem a nível morfológico.

Com esta diferenciação de trabalho nas várias etapas, eles vão conhecendo melhor o jogo e a sua função no jogo, no tempo certo vão aperfeiçoar as suas ações de uma forma mais especializada. Assim, quando chegares aos juvenis e aos juniores, já podes começar a pensar na exigência do futebol sénior.

As questões da oportunidade…

RP: Vejam este ano, nós tivemos o Max a jogar no Sporting, como tivemos o Diogo Costa a jogar no Porto.

RRG: Na seleção nacional temos um caso paradigmático. As primeiras épocas do Rui Patrício podiam ter custado o lugar ao Paulo Bento, mas com muita persistência e com muito trabalho, atualmente reconheço-lhe competências de GR de classe mundial.

Para finalizar este podcast com um tema bastante pertinente, o Professor Ricardo Rebelo deixou-nos uma reflexão relacionada com a simbiose entre a teoria e a prática. “O essencial é que cada elemento envolvido no processo tenha a curiosidade para perceber os fenómenos”, questionando “o que é a prática se não uma operacionalização concetual, e o que é a teoria se não uma reflexão empírica ou uma conceptualização operacional?”.