Artigo: 6# Podcast A Última Barreira – Ricardo Pereira (Parte I)

Entrevista a Ricardo Pereira (Independiente del Valle) conduzida por Pedro Santos (TGR Seniores Real SC) e Gonçalo Xavier (Fundador e Gestor d’A Última Barreira. Artigo escrito por Pedro Santos.

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O mister Ricardo Pereira começou por valorizar o papel do treinador de Guarda-Redes, destacando não ser importante se um determinado treinador foi ou não jogador profissional, se pertence à “nova escola” ou à velha guarda, importa sim falarmos e discutirmos sobre competência, treino e Guarda-Redes.

Natural de Queluz – Monte Abraão e atualmente com 46 anos e desde cedo e nos ringues do Monte Abraão a sua paixão foi a baliza. Como Guarda-Redes jogou nas distritais e terceiras divisões nacionais, mas considera ter sido isso que alimentou a sua paixão pelo jogo e que os seus 25 anos como Guarda-Redes de Futebol contribuíram e muito para a sua carreira como treinador de Guarda-Redes. Atualmente no Independiente del Valle do Equador, apresenta passagens pelo Real Spot Clube, 5 anos no Sport Lisboa e Benfica, Al Fateh, Centro Desportivo de Fátima, Standard Liège, Nottingham Forest e Legia Warszawa.

Apresenta três pontos essenciais para esclarecer a sua filosofia de treino:

Descomplicar o treino, tornando a mensagem sucinta e muito clara, seja na linguagem que utiliza ou no próprio exercício, sendo que considera que o exercício simples muitas vezes é o mais rico quando este representa o jogo, defendendo a importância de treinar o jogo, tendo em consideração as componentes físicas, técnico-táticas, psicológicas, a tomada de decisão, e a forma de transmitir os seus feedbacks.

Tirar prazer do que se faz, sendo importante que nós e os guarda-redes nos divirtamos com o que estamos a fazer.

Conceber e aceitar o erro do Guarda-Redes, e isto é aplicado a qualquer escalão, mas não aceitar a ausência de esforço e empenho na tarefa ou não se arriscar a fazer o que treina.

– Por fim, responsabiliza-se muito pelo desempenho do Guarda-redes e interiorizou uma frase do Luis Llopis que diz “Estarei a ser justo para com o meu Guarda-redes exigindo-lhe situações que não treino!?”

Em relação à sua metodologia apresenta alguns pontos tais como:

– Procura fazer a decomposição do jogo, percebendo o que o jogo pede ao Guarda-Redes em termos gerais e específicos.

– Procura individualizar o treino em algumas situações.

Simular o jogo, ajustando o foco a nível técnico-tático, com mais ou menos decisão. Olhar para o jogo, ver o que está a ser exigido ao Guarda-Redes, treinar, mecanizar gestos e proporcionar decisões.

Olha para as necessidades dos Guarda-Redes dando variedade de oportunidades para praticar muitos posicionamentos, análise da situação, antecipar mentalmente (partindo de sinais simples para complexos), e refere um ensinamento do treinador Hugo Oliveira, na valorização dos deslocamentos como aspeto fundamental, e a importância do Guarda-Redes perceber onde está, para onde vai, como é que vai, como chegar e travar e como decidir e executar.

– O trabalho técnico apresenta-se como fundamental e é realizado em progressão, do simples para o complexo, do fechado para o aberto, da leitura de sinais simples para complexos, da decisão para a execução e da antecipação mental para a decisão e execução.

– Em relação a exercícios, começar num aquecimento técnico simples, com ações técnicas/táticas pré-definidas, para depois passar para um exercício mais aberto com maior desconhecimento sobre o que se vai passar, com deslocamentos no tempo e no espaço requeridos para decidir e executar. Seguidamente aumenta-se a complexidade, abre-se por completo os exercícios, com bola sempre em movimento, estando coberta ou descoberta transmitindo sinais mais complexos, como por exemplo se a bola está mais perto do pé do servidor ou não, e com os servidores em constante movimento. Nesta fase do treino é fundamental trabalhar as antecipações mentais constantes, tomadas de decisão e terminar na execução técnica.

Os diferentes tipos de treino que utiliza são: Treino técnico, que muitas vezes é analítico e individual, Treino técnico/tático com decisões simples ou complexas, Treino de situações reais de jogo muitas vezes já com base na estratégia de jogo, Treino integrado, Treino individualizado, Treino de análise de vídeo, sendo isto tudo suportado por uma relação interpessoal muito forte com os Guarda-Redes.

Como é a tua abordagem para manter todos os GR’s do plantel felizes e sentirem que estão dentro do processo?

Em relação à abordagem para manter todos os Guarda-Redes dentro do processo, o Ricardo refere que não os pretende felizes se não estiverem a jogar, mas quer-los motivados e dentro do processo. Torna-se importante que o Guarda-Redes que não está a jogar de momento mostre o interesse em querer treinar e praticar mais, e que sinta sobretudo que está a evoluir e não está a perder o seu tempo, dando o exemplo do André Ferreira na sua passagem pela equipa B no S.L.Benfica.

– Torna-se essencial perceber as necessidades de quem está a jogar e de quem não está a jogar, como entender o humor, o envolvimento, a idade, o estatuto, sendo que dá muito valor à observação desta questão como sendo um projeto individual. Torna-se importante o trabalho individualizado e é necessário dedicar a quem não joga, atenção, qualidade de treino, honestidade e frontalidade, relação pessoal individualizada e profissional, tendo presente que cada Guarda-Redes tem necessidades diferentes. É uma prioridade definir planos e objetivos individuais de desenvolvimento, como também estar muito atento e dedicado emocionalmente a quem não joga e aos sinais que transmite.

– O treinador principal tem igualmente um papel importante nesta gestão, sendo que este auxilia o treinador de Guarda-Redes na gestão deste microgrupo. Importa referir a necessidade da criação de uma grande empatia, colocarmo-nos no lugar dos Guarda-Redes, percebendo o que eles sentem. Cabe também ao treinador principal saber gerir esta situação de uma forma inteligente nomeadamente nos feedbacks transmitidos aos Guarda-Redes.

Por fim, dá clara importância à necessidade de se fazer uma gestão de tempo de jogo quando é possível, tendo em consideração a necessidade de se ter rotinas de jogo.

Características de personalidade essenciais na transição formação-rendimento:

Considera que os aspetos mais importantes num Guarda-Redes da formação na tentativa de fazer a transição para o contexto sénior, e ao nível da personalidade/mentalidade são: possuir uma forte personalidade, ter ambição, ser atrevido e arrogante na perspetiva de desafiar com respeito mas “afirmando” que tem condições para jogar, para além de ter coragem e capacidade de assumir riscos, ter conhecimento do jogo, ter uma forte inteligência específica e uma enorme capacidade de adaptabilidade a novas estratégias/modelos e contextos. Aliado a isto importa que os TGR´s ajudem a dotá-los de um certo estado de prontidão e maturidade que permita apostar nestes jovens Guarda-Redes.

Um Guarda-Redes em contexto sénior apresenta uma personalidade já estruturada, mas considera que há forma de ajudar os Guarda-Redes da formação na construção de uma mentalidade forte, sendo que o treinador tem um papel muito importante nessa construção. O treinador deve ajudar os Guarda-Redes a estarem fora da sua zona de conforto, desafiando-os a partir da confrontação e muitas vezes provocar a frustração para mais tarde serem capazes de lidar com isso. Para além disso o treinador de Guarda-Redes deverá valorizar a autoconfiança do Guarda-Redes, proporcionando um misto de “sofrimento” no que diz respeito à intensidade do treino com um misto de prazer e reforço positivo por suportar a pressão e por superar os desafios difíceis que são colocados. Torna-se importante, e quando possível, o Guarda-Redes da formação jogar em contextos (escalões) superiores e expô-los desde cedo à pressão e à intensidade do treino com complexas tomadas de decisão, considerando que a exposição ao erro e saber lidar com ele é muito importante no processo de aprendizagem. Desde cedo criar a capacidade de lidar com a exposição social desta posição específica e promover uma cultura de humildade tanto na derrota como na vitória.

À pergunta sobre os temas favoritos que lhe dão mais prazer trabalhar, o mister Ricardo mostrou não ter um tema favorito apresentando principalmente o que fascina em cada momento de jogo:

– Situações/Duelos de 1×1 ou 1×2: pela sua complexidade e pelos seus posicionamentos iniciais, pela perceção de bola coberta/descoberta, pelos deslocamentos e travagem no timing certo, pelas decisões e coragem necessária nestes duelos.

– Cruzamentos: especial interesse nos cruzamentos em posição de ¾ e cruzamentos curtos. Pela coragem que o Guarda-Redes tem de ter, pela velocidade cognitiva, pela complexidade das decisões, pela noção do tempo e do espaço para executar com qualidade.

– Controlo da Profundidade: pela sua complexidade e dificuldade em treinar; pela dificuldade de calcular ao milésimo de segundo e decidir bem em termos de tempo e espaço; considera fundamental ser trabalhado em integrado com frequência e consistência.

– Guarda-Redes em posse de bola: pela qualidade na decisão, pela complexidade e velocidade de raciocínio requerida, pela complexidade estratégica inerente a uma saída de bola curta, para além da coragem necessária para o realizar.

– Contexto de remate: as situações de remate diagonal apaixonam-no, por normalmente ser onde o adversário descobre mais espaço para rematar dentro da área, driblando para dentro ou para fora e a forma como o Guarda-Redes tem de fechar a baliza, analisando a situação e alinhando-se numa bissetriz; outro aspeto que o encanta treinar neste momento de jogo é o trabalho de remates de longa distância pela dificuldade de ler trajetórias e decidir ações técnicas.

A entrevista terá mais partes em artigo, com os temas “microciclo”, “temática dos 2 treinadores específicos” e, por fim, os restantes temas (Parte II) abordados neste Podcast.

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