A precária relação Courtois-Varane, a ausência de liderança num jogo de milhões

Análise por Gonçalo Xavier, Fundador e Gestor d’A Última Barreira e Treinador de GR

O Real Madrid ontem, após ter sido campeão espanhol, jogava a 2a mão da eliminatória contra o Manchester City e precisava de bater o resultado que os ingleses fizeram em Espanha de 2-1. E cedo se percebeu que seria muito difícil alcançarem a remontada… principalmente com a dimensão dos erros que tiveram ao longo da partida onde, pelo menos, culminaram de forma directa em dois golos dos “citizens”.

E a ligação precária foi sempre a mesma Courtois-Varane, sob motivos distintos, e onde os holofotes estiveram em sobremaneira no defesa central francês, que no final da partida admitiu os erros e assumiu as culpas perante as televisões.

E vamos aqui introduzir o nome do capitão e ídolo Sérgio Ramos, que ficou de fora desta partida por ter sido expulso na 1a mão no final da partida, que é o maior líder em campo e que não deixa normalmente que exista displicência pelo seu forte pulso dentro da equipa, principalmente em dias de “jogos grandes”. E até por aqui, Courtois e Varane não são óptimos comunicadores e líderes… e a defesa do Real ressentiu-se também por aí.

Não nos podemos esquecer que, o futebol, como uma modalidade colectiva, se confere como multi-relacional. Se há relações instáveis… essas podem gerar problemas a curto-médio prazo.

Vamos então ao primeiro golo, numa lógica de construção desde o guarda-redes que tem muita importância referir e falar quanto a displicência notória de Varane após o passe do guarda-redes e que originou toda a jogada do golo inicial da equipa inglesa:

O passe de Courtois que gera a primeira desordem individual/colectiva do Varane e Real Madrid respectivamente.

  1. A forma como Courtois recebeu o passe vindo de Militão (à sua esquerda e fora da imagem). O pé direito na recepção faz sentido para ter uma visão aberta do jogo e ver pelo menos o corredor central e direito. MAS o seu primeiro toque foi para muito longe e em diagonal e a “vantagem” inicial de receber com o pé contrário para visualizar rapidamente o jogo perdeu-se.
  2. A “expressão corporal” de Courtois que após esse primeiro toque indica – e seria uma boa decisão dado o contexto – o passe para Carvajal que fazia movimento de aproximação para o espaço interior, dando assim alternativa na construção – mas, no último momento, muda o destinatário para Varane, que está uma linha atrás de si mais profundo.
  3. Isto originou 3 problemas:
    1. Varane vai receber com mais pressão, apesar de ter tempo e espaço para fazer melhor (como bater, por exemplo);
    2. Carvajal que veio dar apoio a Courtois, deixou de poder estar aberto para ser alternativa em progressão a Varane;
    3. Courtois devia ter sido mais agressivo de recuar à linha de Varane (pelo menos) para ser alternativa para se jogar e, em última instância, ser cobertura para um possível erro do central.

Ver imagem seguinte onde representa em grafismo isto tudo:

4. É CLARO, que neste momento, Varane tinha de fazer o passe longo e de forma aberta porque não tinha mais alternativas para jogar curto que não gerassem novos problemas ao Real. MAS, no ponto de vista da melhoria, não pode ficar isolado (apesar de ter, em larga escala, a maior culpa se assim queremos chamar pela displicência no lance).

Formas de lidar com isto e corrigir para evitar estes erros:

  • Maioritariamente referindo a Varane, receber com os apoios abertos sem ter os dois pés em direcção à bola pois assim, recebendo mais aberto, ganhava o corredor – longe da pressão que gerasse perigo para a sua baliza e ter uma visão clara à sua frente do campo e colegas, tal como da pressão contrária. E fazer isto sem qualquer displicência.
  • Para Courtois, evitar este tipo de “mudanças” de decisão com os pés em última instância que não estão planeadas colectivamente e, principalmente, não são perceptíveis. Com a simulação “puxou” a si Carvajal que assim não podia dar linha de passe à frente num espaço mais aberto, quebrando assim o famoso “terceiro homem” na construção.

E depois podia ser questionado da razão de Courtois ir reduzir para o duelo 1×1 em zona tão aberta dentro da área e com homem perto, mas essa foi uma das consequências do facto de ele não ter retirado profundidade para dar cobertura/linha passe a Varane e assim podia ter uma visão mais clara após a sua perda de bola sem entrar em precipitações.

Foi como um dominó que caiu todo depois da primeira peça em pé cair.

Claramente que do ponto de vista do treinador, perante o grupo é para dar a mensagem que a displicência tem custos, e essa era direcionada ao central, mas individualmente o defesa precisa de ter esta melhoria dos apoios e Courtois de ser mais coerente na jogada com os pés que, apesar de ter deixado a bola “redonda” para Varane jogar (bater no caso) – e isto é factual – teve uma série de pormenores que se podem repetir e ter um resultado que não seja Varane voltar a falhar… mas ele ou outro. E um dos pontos de melhoria individual e colectiva está aqui.

Análise, em inglês, em UB Coach (Twitter):

Vídeo do lance e análise:

Vamos então ao segundo golo…

Novamente, culpas maiores para Varane que NÃO pode decidir pelo guarda-redes. Ou seja tem de ser o GR, até pela visão privilegiada do campo e colegas/adversários que tem de ajudar nesse guião a partir de trás. Contudo… há um aspecto “simples” de melhoria. Entre a movimentação sem bola de Courtois e onde este podia estar. Ou, em último caso, como podia comunicar para evitar este caos gerado.

Courtois tinha duas opções simples que iam ajudar – e muito – o colega:

  • Comunicar para tirar logo, pela pressão que tinha e por estar longe para receber a bola.
  • Dar cobertura, no lado da bola uns metros, para a bola sair mais limpa antes do adversário chegar primeiro e marcar golo e ser agarrada a bola e iniciar logo a transição defensiva no lado contrário.

Ou seja, proactividade e liderança nas acções. Não deixar que os outros “façam” por nós e tomar conta das decisões e a partir daí ser responsabilizados pelos mesmos mas onde podemos ser aqueles que controlam as acções e não ser impactados (in)directamente pelos mesmos, sem ter forma de reagir para impedir erros.

Momento em que Varane se prepara para atrasar a bola a Courtois e este último está em zona central e com uma postura passiva no lance. Certamente já não esperava receber a bola… deixando a decisão ser exclusivamente de Varane.

As mostras, como referimos em cima, da relação precária entre Courtois-Varane e onde os dois têm culpas referindo, novamente, que o defesa central francês pela displicência nos dois lances merecia a maior lição. Mas ele sabe os erros que cometeu, caso contrário não falava abertamente sobre o tema no final da partida.

Vídeo do lance:

Mais que apontar os maiores culpados, é preciso muitas vezes analisar tudo o que está para trás da acção final, pois é nessa que pode existir a “maior” evolução de todas as partes. E certamente que este par aprendeu muito com isto.

E para acabar em jeito mais positivo, Courtois fez 7 defesas no total e individualmente falando, com uma tomada de decisão mais defensiva, foi resolvendo os problemas como podia e conseguia, mais tranquilo ou no limite, perante a equipa inglesa. Ora vejam todas as defesas: